Foto: Agência Brasil EBC

Nos dados sobre expectativa de vida da população brasileira, está lá: 75,8 anos, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas ele não é real para toda a população. Essa média camufla a desigualdade racial entre negros e brancos. Os primeiros vivem seis anos menos do que os últimos.

O estudo Relatório Anual das Desigualdades Sociais, do Núcleo de Estudos da População, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), indica que brancos vivem em média 73 anos; negros, 67. Apesar de publicado em 2011, ainda há diferença na expectativa de vida.

As provas disso são os números de homicídios e de problemas de saúde evitáveis. No país, 70% das vítimas de assassinatos são negras, segundo dados de 2017 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em relação a enfermidades como infecções sexualmente transmissíveis, hanseníase e tuberculose, elas são mais frequentes na população negra do que na branca, mostra relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado neste ano.

Essa desproporção está ligada diretamente a dois fatores: qualidade de vida – que é impactada por história, cultura e classe social – e desigualdade racial, segundo a assistente social Suelma Inês de Deus, mestre em gerontologia social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

“A posição social ocupada pelo sujeito pode refletir em sua qualidade de vida, e há uma grande diferença entre negros e brancos”, aponta.

Segundo dados de 2014 do IBGE, 76% dos mais pobres no Brasil são negros. “Qualidade de vida inexiste para a população que vive abaixo da linha da pobreza”, afirma ela.

Indicadores

É, em parte, devido à desigualdade racial e social que outros indicadores de qualidade de vida ficam comprometidos e, consequentemente, o processo de envelhecimento. A mestre em gerontologia pela PUC-SP Sonia Maria Pereira Ribeiro cita o Pantáculo do Bem-Estar, um instrumento baseado em cinco fatores – nutrição, atividade física, controle do estresse, comportamento preventivo e relacionamento social.

“O primeiro item do Pantáculo condiz com uma boa alimentação. Mas pessoas abaixo da linha da pobreza não conseguem se alimentar bem”, avalia.

 

Outro ponto citado por ela é a saúde. “O controle de mecanismo do estresse é difícil para qualquer pessoa. Imagine para uma população que é vítima de discriminação racial”, pondera Sonia. Estudos apontam que o racismo é responsável por maior prevalência de doenças cardiovasculares e depressão entre a população negra.

Dívida histórica

O racismo ainda é realidade também no mercado de trabalho. Menos de 5% do quadro de liderança das 500 maiores empresas do país é ocupado por negros. Quando se fala da mulher negra, o percentual é de apenas 0,4%, segundo dados do Instituto Ethos.

“Isso gera uma demanda extra para o profissional negro, que, além de ter de ser técnica e intelectualmente capacitado, tem que ter uma tremenda inteligência psíquica e emocional para lidar com fatores explícitos ou implícitos de preconceito ao longo da sua vida”, sinaliza Liliane Rocha, fundadora e presidente da consultoria de sustentabilidade e diversidade Gestão Kairós.

Enquanto o trabalho considerado qualificado é dominado por uma maioria branca, o tido como braçal, a exemplo do trabalho doméstico, é realizado majoritariamente por mulheres negras. Um estudo feito em parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento, e a ONU Mulheres, em 2015, apontou que, das 5,7 milhões de profissionais domésticas no Brasil, 3,7 milhões eram negras ou pardas.

“Somemos a pressão psicológica e emocional de toda uma vida com a associação de trabalhos mais pesados e braçais e certamente temos aqui um ponto de atenção que pode, sim, levar a uma velhice de menos vitalidade”, diz Liliane.

Identificar as vulnerabilidades e peculiaridades da população negra no que diz respeito aos serviços públicos, sobretudo aos de saúde, bem como oportunidades melhores de educação e empregabilidade, pode proporcionar um envelhecimento com qualidade de vida, de acordo com Suelma. “É mais do que necessário ampliar a discussão e subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas de promoção da igualdade racial, bem como fortalecer as já existentes. Esses são os caminhos para que a população negra envelheça nas mesmas condições de igualdade.”