Por nos tirar da zona de conforto e segurança, toda viagem nos transporta para novos níveis de percepção e consciência. Nunca voltamos do mesmo modo, sempre aprendemos algo novo. É como se saíssemos do nosso corpo e nos víssemos de fora, colocando nossa vida em perspectiva comparativa com aquilo que vemos e experimentamos enquanto viajamos.

Foto: Blog Leve na Viagem

No entanto, existem viagens, e existem “as” viagens. Algumas viagens não apenas nos ensinam, mas também nos transformam profundamente. Quanto mais desafiadores e diferentes forem a jornada e o destino, maior se torna o seu poder transformador. Quanto mais distante uma viagem for da nossa realidade cotidiana, maior o desafio para enfrentar o desconhecido, requerendo que lancemos mão da nossa criatividade e habilidades de relacionamento para solucionar problemas. Se eu não falo a mesma língua que o outro, mas preciso encontrar um posto de gasolina, tenho que tentar me expressar de outra forma, com mímicas ou desenhos, para resolver a situação. Muitas vezes, nossas habilidades ficam adormecidas e anestesiadas em ambientes familiares, pois param de ser usadas e exercitadas, pois já conhecemos tudo e todos. Talvez você não desenhe ou faça mímica há anos, certo? Quando navegamos em rumo ao desconhecido, despertamos e ativamos todos os nossos talentos e habilidades, nos aproximando do aproveitamento máximo de nosso potencial.

As viagens desafiadoras são como botões de reset nas nossas vidas, nos fazendo ser como crianças novamente, abrindo uma janela para o conhecimento e descoberta que trazem inúmeros benefícios para as nossas vidas profissionais. Vejamos o que acontece com os viajantes em uma nova jornada:

1.Abertura de mente e coração — veem, pensam e experimentam o mundo pela primeira vez, sem preconceitos, despertando sentimentos e análises puras, genuínas. Percebi, por exemplo, na minha viagem mais recente à China (jul/2017), que os dias em que estive lá sem conexão à internet foram os mais cheios de paz que tive nos últimos tempos – certamente, isso era algo que eu não esperava e abriu um novo caminho de pensamento e investigação de comportamento para mim. Novas perspectivas, novas possibilidades, novos modos de agir inaugurados.

2. Capacidade de análise, comparação e ajuste de valores — comparam o novo que acabam de experimentar com o que já têm e fazem anteriormente, abraçando novos valores melhores e descartando os antigos que não fazem mais sentido. Como dizia Henry Thoreau, “O que importa não é o que você olha; mas o que você vê”.

3.Aumento de repertório – conforme viajam por novos lugares e situações, experimentam novas sensações e ampliam o repertório de vida nos 5 sentidos: tato, olfato, paladar, visão e audição; é importante lembrar que repertório é o fio construtor da criatividade.

4.Colaboração — dependem dos outros para sobreviverem e terem sucesso em ambientes desconhecidos; da mesma forma que a criança depende dos pais e mentores, viajantes dependem de hosts e informações de outras pessoas. Assim, o desenvolvimento do espírito e das habilidades de colaboração são essenciais. Aprendi especialmente que, não é necessária uma língua em comum quando as pessoas têm interesse em ajudar, e que não adianta ter uma língua em comum quando não existe boa vontade.

5.Humildade — não importa o quão importante ou insignificante sejamos na nossa vida em nosso lugar de origem, viajando para lugares desconhecidos nos tornamos todos iguais, pois o que conhecemos previamente não tem valor algum aqui. É como não ter história pregressa ainda, como uma criança, que ainda não tem histórico passado.

6.Aprendizagem – em ambientes e situações que não conheço, preciso aprender para sobreviver. Aprendizagem é a habilidade essencial para vencer novos desafios.

7.Experimentação – quando faço uma coisa inédita, que nunca fiz antes, o resultado é incerto. O uso da habilidade essencial de tentativa e erro, por meio de um caminho de experimentação, nos leva a criar métodos e processos para solucionar nossos problemas.

8.Tolerância e resiliência – quando enfrentamos o desconhecido, sabemos que não controlamos o nosso entorno e nem tudo que fizermos dará certo. Estamos sujeitos constantemente a fatos inesperados, que precisamos aceitar (tolerância) e, quando não conseguirmos resolver, tentar novamente (resiliência).

9.Criatividade — a habilidade básica para solucionar problemas novos é a criatividade. Ambientes e situações desconhecidos são um campo de novos problemas e necessidade para improvisar.

10.Automotivação (força de vontade e perseverança) – em ambientes desafiadores, precisamos de energia constante para conseguirmos sobreviver. Quem tem preguiça e para, deixa de crescer e morre.

11.Foco e presença – ao contrário do nosso ambiente familiar, que dominamos e estruturamos ao longo da vida, nas viagens estamos sujeitos a inúmeros fatores novos, que não dominamos e que desviam a nossa atenção. A única forma de sobreviver é focando no que é necessário em cada instante — cabeça no momento, no presente.

12.Superação – quanto maior o desafio enfrentado em uma viagem, mais fortes nos tornamos. Fazer coisas que normalmente não fazemos no nosso cotidiano, como visitar lugares inóspitos ou longínquos, trilhas e escaladas, etc., revelam forças e habilidades interiores que muitas vezes não imaginávamos que tínhamos, nos fortalecendo. Percebemos que podemos muito mais do que estamos acostumados a fazer. Em minhas viagens, listo as seguintes experiências nessa categoria – coisas que jamais achei que seria capaz de fazer e fiz viajando (algumas, para minha surpresa, foram bastante fáceis): escalar a cachoeira Dun’s River Falls na Jamaica em 1998; nadar com raias em Gran Cayman em 1998; viajar uma semana sozinha pelo Sri Lanka em 2008, quando eles ainda estavam em guerra civil; viajar sozinha para Macchu Pichu em 2003, visitando sítios arqueológicos e locais remotos no interior do Peru; fazer a transiberiana de Moscow a Beijing em 2017, em trens comerciais usados pelos locais, sem banho e restaurante por dias e tendo que se virar sem nenhuma pessoa ao seu redor que falasse qualquer língua em comum; trilhas na neve na Islândia, em 2015; ficar sem conexão com a internet por 3 dias em Beijing, em 2017; perder voos ou conexões devido a nevascas e ter que encontrar novas soluções para chegar ao destino; ficar retida sozinha por horas em sala de checagem pela polícia de fronteira para entrada em outro país, entre outros.

Além dos benefícios acima, estudos mostram ainda que é mais feliz quem viaja e tem experiências do que aqueles que apenas compram coisas. O prazer das coisas é passageiro, enquanto o das experiências nos acompanha na memória e no coração por toda a vida.

Assim, a minha recomendação para qualquer pessoa que queira dar uma turbinada na carreira é fazer uma viagem desafiadora. Não precisa ser longe, mas diferente. Não precisa ser longa, mas profunda. Pode ser para qualquer lugar, desde que seja também para dentro do seu ser.

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