O trabalho depois dos 50 anos pode ser, mais do que necessidade, sinônimo de realização profissional.

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A tendência de amadurecimento da população reflete no mercado de trabalho e demanda dos profissionais com mais de 50 anos qualificação para garantir uma vaga ou mesmo criatividade para ser autônomo. Embora as empresas sempre busquem novas ideias, a partir de colaboradores jovens, os mais velhos têm muito a contribuir, e narrativas de sucesso e realização profissional servem de inspiração tanto para empregadores quanto para quem busca recolocação após a primeira metade da vida.

Entre os anos 1980 e 1990, Milena Lima modelava e já era apaixonada por moda. Tornar-se stylist foi praticamente uma consequência natural, depois que ela morou cinco anos em Paris e fez um curso de estilismo em uma escola francesa. “Voltei trabalhando como produtora de desfile, e um dos braços da moda é o personal stylist. Eu fiz meu nome, Milena Lima hoje é uma marca que eu batalhei para fortalecer”, explica.

Hoje, aos 55 anos, ela não sabe por mais quanto tempo pretende trabalhar e tem como referência grandes nomes da moda que já passaram dos 50 anos faz tempo. “Se deixar, vou ficar com mais de 80 anos no mercado, igual a Iris Apfel, Mario Testino, Glória Kalil, Costanza Pascolato, Karl Lagerfeld e Giorgio Armani, que acompanharam a evolução do tempo e da profissão. Se você não acompanha, você é engolido, tem que estar toda hora se informando e se capacitando, tentando entender o que pode melhorar e aprender com o outro.”

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Essa constante atualização deve ser em relação à técnica e ao comportamento, destaca Mórris Litvak, fundador e CEO da MaturiJobs, startup que conecta pessoas com mais de 50 anos a negócios e jobs flexíveis. “Hoje se fala do life long learning, que é justamente você estar aprendendo coisas novas durante toda a sua vida. Não precisa ser uma nova graduação necessariamente, mas buscar sempre as novidades, estar antenado e integrado aos mais jovens, aberto a aprender e ensinar”, orienta.

A diretora administrativa da Ivia, Auxiliadora Carvalho, 56, encarou o desafio de estar integrada com gente mais jovem. Ela também é a única mulher na direção da empresa especializada em tecnologia da informação. “Eu me sinto como nos 38 anos, cheia de sonhos e planos para a carreira. Na última semana, descobri que vou ser vovó pela primeira vez e isso não muda nada em relação a idade ou carreira. Muito pelo contrário, só aumenta a vontade de trabalhar para me sentir sempre ativa e com espírito jovem. Trabalhar cercada de jovens contribui com isso, viu? Todo dia é uma novidade. Ainda não penso em parar. Se Deus quiser isso ainda vai demorar para acontecer”, compartilha.

De 2012 para 2018, a participação dos idosos no mercado de trabalho aumentou de 6,3% para 7,8%, segundo levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com as mudanças previstas pela reforma da Previdência, o trabalho tende a se estender cada vez mais.

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Outro aspecto é o valor insuficiente da aposentadoria para manter a qualidade da vida, bem como os custos com plano de saúde e remédios, que sobem bastante nessa fase. “Além disso, ter uma ocupação, se sentir útil, continuar produtivo é algo que as pessoas querem cada vez mais, ainda mais quando se aposentam aos 60 anos e vivem até os 90. Ninguém consegue ficar 30 anos parado tendo muita experiência para passar e querendo contribuir. Isso afeta diretamente a auto-estima e a saúde”, complementa Mórris.

É exatamente assim que o taxista José Alves da Silva, 66, o “Zequinha”, sente-se quando não está trabalhando: doente. Ele foi caminhoneiro durante 15 anos e, após a aposentadoria, resolveu trocar a estrada pelas ruas da Capital. “Gosto muito de dirigir e ainda passo o dia conversando com os outros. Aqui acolá tem dificuldade, porque lidar com as pessoas é complicado, mas eu agradeço a Deus por poder trabalhar”.

Solidão

Além do valor insuficiente da previdência, a gerente de Gente e Gestão do Estratégia Concursos, Thatiane Barbosa, destaca a importância do trabalho para a socialização das pessoas. “Existe um outro ponto importante que é a solidão, muitos preferem trabalhar do que ficar sozinhos em suas residências. Buscam trabalhos alternativos para se manterem ocupados. Cada vez mais, empresas investem na “terceira idade”, meio pelo qual apoiam a assistência social.”

Carreira e tecnologia

Antes de atuar na Ivia, a contadora Auxiliadora Carvalho, 56, trabalhou como corretora de câmbio e, durante 17 anos de trabalho no antigo Banco Fortaleza S.A, exerceu funções de assessora, chefe de departamentos, auditoria interna, até chegar na área de captação de recursos. “Fui transferida para São Paulo (1994 – 1997) e, nesse período, tive a oportunidade de me especializar e fazer vários cursos. Em 1998, retornei a Fortaleza e empreendi até o ano 2000, aos 38 anos, data em que iniciei na Ivia”. Aquela foi a época mais desafiadora da carreira dela, porque teve que “recomeçar do zero em uma empresa de tecnologia, um setor totalmente novo para mim e com os sócios muito mais jovens”. Durante os 18 anos de atuação de Auxiliadora na empresa, o número de colaboradores saltou de 12 para 700. “Acredito que sim, estou em um grande momento da minha carreira. O segredo para seguir feliz com as minhas escolhas profissionais é amar o que faço. A rotina é um misto de números, cálculos e pessoas. Sempre há algo novo para aprender, especialmente, quando se trabalha em uma empresa de tecnologia”.

De volta ao mercado

A contratação de pessoas acima de 45 anos no Estado ainda é tímida, diz a coordenadora do banco de Oportunidades do Senac Ceará, Karla Rolemberg. Este ano, apenas uma empresa solicitou currículos de homens acima de 50 anos, com ensino médio completo, para o atendimento em lojas da rede. “O perfil continua sendo o jovem, de 18 a 40 anos, no máximo 45 anos”, lamenta.

Thatiane Barbosa, gerente de Gente e Gestão do Estratégia Concursos, diz que busca sempre avaliar a experiência do candidato versus a oportunidade quando não há restrição de idade pela empresa. “As empresas, em sua grande maioria, investem no jovem por suas habilidades e poder de estar super conectado com o mundo. Em contrapartida, perdem um diamante que é a experiência. São poucas as vagas para pessoas com mais senioridade por conta dessa era digital. A principal dica é se manter atualizado com todas as tendências da área que atua. Manter boa saúde e disposição”, avalia.

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Ante o desafio de fazer as empresas olharem para a faixa etária de candidatos sem preconceito, uma boa saída para voltar ao mercado pode ser empreender. “Para quem quer empreender depois da aposentadoria, a dica é identificar uma atividade, que a gente chama de vocação. Ter mente aberta para como esse mercado funciona e entender a dinâmica do negócio, como está a questão da legislação, a concorrência, as finanças”, recomenda a analista do Sebrae, Alice Mesquita.

Alice lembra que, quando vão empreender, as pessoas ficam ansiosas, acham que o retorno do investimento é imediato, mas isso “depende de negócio para negócio”. “Precisa de persistência, existem vários desafios em relação à produção e à equipe. Outra coisa importante é a dinâmica da internet, que pode ser utilizada como um canal de vendas, contato e parcerias”, completa.