Produtividade depende de saúde e conhecimento dos trabalhadores
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O presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil destaca que empresas preparadas para o envelhecimento dos trabalhadores se manterão competitivas

Aos 71 anos, o geriatra carioca Alexandre Kalache é um dos maiores especialistas em longevidade do país e acredita que é possível ser bastante ativo e produtivo na idade avançada. Para ele, esse processo está sustentado em dois pilares: conhecimento e saúde. No entanto, destaca que é necessário que empresas façam adaptações no ambiente de trabalho para essa mão de obra. “Adaptar o ambiente de trabalho será necessário a longo prazo, pois a população brasileira está envelhecendo e essa visão fará com que a produtividade não caia”, alerta.

Kalache, que preside o Centro Internacional de Longevidade Brasil, é consultor do Centro de Referência em Longevidade do Serviço Social da Indústria (SESI), em Curitiba. Esse é um dos oito centros de referência do SESI em Segurança e Saúde no Trabalho (SST). Os outros sete são: Gestão do Absenteísmo e Retorno ao Trabalho, em Salvador; Métricas para Saúde, em Fortaleza; Ergonomia, em Belo Horizonte; Inteligência e Gestão em SST, em Campo Grande; Higiene Ocupacional, no Rio de Janeiro; Gestão de Fatores Psicossociais, em Porto Alegre; Tecnologias para SST, Florianópolis. “É brilhante a ideia de o SESI ter um centro de referência em longevidade, para desenvolver essa expertise e ser um difusor de ideias e conhecimento para todo o Brasil”, destaca Kalache.

Confira a entrevista:

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – É possível ter longevidade com produtividade e que fatores influenciam na produtividade dos trabalhadores mais idosos?

ALEXANDRE KALACHE – A produtividade depende fundamentalmente de dois fatores: saúde e conhecimento. Se você tiver saúde e conhecimento, seja em qual for a idade, você será mais produtivo. A ideia de que o idoso é menos produtivo é fruto de uma discriminação histórica. É claro que é necessário as empresas fazerem algumas modificações para facilitar o trabalho dos mais velhos, para compensar questões físicas já que eles não são tão ligeiros ou têm a mesma força dos mais jovens. Mas ao adaptar-se o ambiente de trabalho será necessário no longo prazo, pois a população brasileira está envelhecendo e essa visão fará com que a produtividade não caia.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O senhor teria exemplo de experiências de sucesso já implementadas nesse sentido?

ALEXANDRE KALACHE – Há indústrias automobilísticas na Alemanha que perceberam que a população está envelhecendo. Então, eles simularam em sua planta industrial uma composição de operários que teria a idade da força de trabalho do país daqui a 20 anos e fizeram pequenas modificações no ambiente de trabalho. Por exemplo, em vez de o chão ser de cimento, eles fizeram uma plataforma de madeira e, com isso, foi possível absorver mais impacto nas articulações, sobretudo, joelhos e bacia. Também criaram soluções ergonométricas muito simples para as pessoas que perderam a flexibilidade. Com essas e outras pequenas adaptações e com treinamento da força de trabalho, eles foram medindo a produtividade dessa fábrica em comparação com outras por 18 meses. No fim, a produtividade dessa planta, com operários mais velhos, tinha crescido e era maior do que as demais.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como as empresas brasileiras devem se preparar para o envelhecimento da população?

ALEXANDRE KALACHE – É preciso, ao longo do tempo, mostrar como a influência de pessoas mais idosas no ambiente de trabalho cria mais harmonia. Eles acabam sendo aquela figura mais paterna ou materna no local de trabalho, que dá conselho aos gerentes e também aos operários mais jovens e busca conciliar os relacionamentos entre todos. A presença de pessoas mais idosas nas empresas também reduz as faltas ao trabalho, porque eles acabam servindo de exemplo aos demais. O idoso com mais de 60 anos valoriza trabalhar e não quer ficar à toa. Isso acaba servindo de modelo para os mais jovens.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Que tipo de preconceito os mais idosos enfrentam, sobretudo no ambiente de trabalho, e como superar esses preconceitos?

ALEXANDRE KALACHE – Isso não ocorre só na empresa, mas na sociedade. A população de forma geral é preconceituosa em relação às pessoas idosas. No caso das empresas, deve-se trabalhar a solução de ponta a ponta: desde o chefe até o funcionário de nível mais baixo. Deve-se educá-los e mostrar que o envelhecimento atinge a todos. Além disso, é preciso aumentar os laços intergeracionais na sociedade. Com a tecnologia, estamos fazendo com que a troca entre as gerações se torne uma coisa rara. Há 30 anos, era muito mais comum ter a figura do avô ou da avó nos jantares, participando do dia a dia, e até morando com filhos e netos. Não estou preconizando para voltar ao passado, nem estou glorificando o passado. Ele também tinha seus problemas. Porém, essa troca natural na família ou nos ambientes sociais está deixando de existir. Muitas vezes, quando temos reunião de família, os mais jovens estão com seus celulares e perdem a oportunidade de se comunicar com os mais velhos. Se isso não ocorre na família nem na escola, acaba não ocorrendo no ambiente de trabalho.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O SESI está com um centro de referência sobre longevidade para o qual o senhor vem desenvolvendo trabalhos de consultoria. Como avalia essa iniciativa e quais as expectativas por novos trabalhos?

ALEXANDRE KALACHE – É brilhante a ideia de o SESI ter um centro de referência em longevidade, para desenvolver essa expertise e ser um difusor de ideias e conhecimento para todo o Brasil. Não tenho dúvida: o futuro do país é o envelhecimento. Agora, temos de buscar o melhor caminho para a nossa realidade. Temos excelentes experiências na área de longevidade em países escandinavos, na Holanda e no Canadá, para nos inspirar. Mas devemos lembrar que os países desenvolvidos enriqueceram antes de envelhecerem. O Brasil está na contramão disso. Está envelhecendo com muita pobreza e com muitos problemas sociais. Teremos de criar o nosso modelo de longevidade. O grande bem do século 20 era a informação. No século 21 será a imaginação. A informação nós temos: vamos envelhecer rápido. Agora, precisamos da imaginação para isso e esse centro do SESI ajudará o país na busca de soluções.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Que tipo de política pública precisa ser desenvolvida para superar os desafios da longevidade?

ALEXANDRE KALACHE – Não podemos esperar que as pessoas fiquem doentes. Na hora que elas necessitam de um serviço de saúde, esse serviço precisa estar onde elas vivem, ou seja, nas comunidades. A atenção primária à saúde deve estar em centros de saúde e não em hospitais altamente sofisticados, que se privilegia 5% da população e deixam os demais de fora. A segunda coisa essencial é dar condições à aprendizagem ao longo da vida. Isso é essencial, porque vamos sair dos atuais 13% para 30% da população com mais de 60 anos em 2015. Será necessário que essas pessoas sejam produtivas e que possam continuar na força de trabalho. A economia vai precisar delas.

A tudo isso, deve-se acrescentar a adaptação dos espaços físicos e sociais, para que se tornem ambientes mais amistosos ao idoso, com menos preconceito. No Brasil, que é mais urbanizado, significa criar cidades mais amigas dos idosos. E a cidade que for mais amiga do idoso será mais amiga de todos. Por exemplo, um ônibus que facilita a entrada e saída de um idoso, facilitará a entrada e saída de uma mulher grávida, de uma pessoa com alguma incapacidade, de um adolescente com mochila nas costas e de crianças. Todos se beneficiam. Não é criar um mundo para o idoso e sim, uma sociedade com mais harmonia em que todos saiam ganhando.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O projeto de vida para uma idade mais avançada precisa começar quando se é jovem, certo?

ALEXANDRE KALACHE – O mantra que eu repito sempre é “quanto mais cedo, melhor. Mas nunca é tarde para isso”. Quanto mais cedo se começar a acumular os capitais que são importantes para o bom envelhecimento, melhor. Esses capitais são quatro: a saúde; o conhecimento; o social – de se ter amigos que possam ajudá-lo, principalmente, quando se tiver mais idade, quando as chances de ter necessidade aumentam; e, claro, o financeiro, já que a aposentadoria não será suficiente. Se conseguir esses quatro capitais, você tem chance de envelhecer melhor e isso  é um processo que ocorre ao longo da vida.

Por Maria José Rodrigues